O colapso da saúde do Amazonas veio em meio à banalidade, representou a crista da segunda onda, quando muitas pessoas já se sentiam sobreviventes. O colapso veio dar um novo sentido às mortes que já eram vistas, por muitos, apenas como estatísticas e sentidas simplesmente como números sob controle. Foi o resultado mortal de um receituário banal, quando se pensou que bastariam pequenas doses para manter todos vivos.
Em meio a mortes anônimas e controladas, uma parcela do povo continuou irresponsavelmente participando de festas e os governantes pedindo que todos seguissem o distanciamento social, enquanto liberava o comércio para o Natal e Réveillon. Também anunciou-se que faltaria oxigênio, e foi tão profético quanto as advertências da comunidade científica, que já vinha alertando para a letalidade maior da segunda onda.
Assim, o Amazonas se somou aos recordes mundiais de caos e sofrimento, e expôs ao mundo a sua fragilidade e falta de estrutura. Um território imenso de florestas e infectados, num cenário em que apenas a capital possui equipamentos, pessoal treinado e estrutura para atendimento. Os povos indígenas sofrem muito mais, pois estão à margem de quase tudo, menos dos vírus.
Talvez o sofrimento, quando muito agudo, tenha o poder de fazer com que o ignoremos. Talvez tenha sido essa ferramenta cruel e contraditória que os heróis da saúde tenham inconscientemente utilizado para suportar a dor de terem jurado curar, mas de não terem a mínima condição de cumprir seu juramento:
“Os pacientes que têm covid sentem muita sede. Tem momento que eles querem muita água. E aí você vê o paciente pedindo água e… você não pode, você não consegue, você está entubando alguém, vendo um outro paciente mais grave. E você não tem ninguém para dar essa assistência para esse paciente”, denunciou a médica Uildéia Galvão em matéria publicada pelo portal El País sobre as condições precárias do atendimento hospitalar em Manaus.
Desde o início da pandemia, sabíamos que não seria fácil e que, muito provavelmente, não teríamos resultados pouco danosos como os da China, por exemplo. No entanto, não podemos ficar indiferentes ao que aconteceu, ou se deixou acontecer no Amazonas: a evolução da pandemia nos dava seus sinais e estes sinais nos induzia às ações que deveriam ser tomadas para conter seu avanço, no entanto, esses sinais foram ignorados ou as respostas foram dadas no sentido contrário, agravando ainda mais o quadro de calamidade.
O que podemos dizer quanto a isso?
Segundo o Biólogo José Felipe de Souza Pinheiro, Conselheiro-Tesoureiro do CRBio-06: “Durante a pandemia do novo coronavírus, a atuação dos Biólogos, que sempre foi abrangente, se tornou ainda mais profunda. Eles estão desempenhando seu papel muito além das atividades científicas e das técnicas de grande complexidade: silenciosamente e por humanidade, doam seu tempo e excluem-se de suas famílias. Buscam soluções e alternativas, por meio de muito suor e muitas horas de pesquisa, para o enfrentamento da Covid-19 e, assim, reforçam a importância da Biologia e da união de todas as especialidades científicas neste momento dramático que vivemos. O Biólogo tem sido uma ponte, uma conexão que dialoga e atua em várias frentes de combate: desde o monitoramento de dados, controle e avaliação dos riscos de contaminação, aos dados epidemiológicos e a produção de vacinas, nossa grande esperança diante deste cenário de caos, em que qualquer ação ou descoberta, por mais grandiosas que sejam, parecem mínimas e insignificantes diante da desolação causada pelo coronavírus. Porém, na realidade, cada gota de suor e de dedicação, pode valer uma vida a mais que não foi perdida, e isto é muito, por mais que muitas vidas estejam sendo lamentavelmente destruídas. As ações dos Biólogos nesta pandemia, vão muito além da simples ciência, alojam-se no sentimento de poder contribuir para minimizar, e quiçá eliminar o sofrimento, seguindo fielmente os princípios da Biologia e o Código de Ética da Profissão Biólogo. Com o empenho da ciência e do conhecimento, ajudando a banir esse sentimento de pânico que a todos assolam, neste momento”. Concluiu Felipe, e declarou ele mesmo já ter perdido várias pessoas amadas por conta da COVID-19.
Precisamos lembrar, relembrar e memorizar esse trágico momento em que muitos brasileiros e amazonenses perderam a vida. Isso é necessário para que se amenize a sensação de que todos, inclusive os muitos Biólogos e profissionais da saúde, não morreram em vão. Necessitamos, urgentemente, corrigir nossos rumos e a importância que damos à vida dos nossos conterrâneos, para que não percamos ainda mais, para que não fiquemos ainda mais vazios e sem sentido. Temos que abandonar os valores que colocam outros interesses acima da vida.
A empatia pelo próximo deve orientar nossas ações e a ciência, nortear nossas decisões, sob pena de não sermos mais reconhecidos como civilização.