Dinossauros, fósseis, desenhos, filmes e séries sempre retrataram o que se sabia naquele momento sobre a Paleontologia, chamando atenção de leigos e servindo de inspiração para futuros Biólogos
Foto: Lúcio Roberto da Silva/Arquivo pessoal
Falar de Paleontologia em rodas de leigos é sempre interessante para Biólogos, afinal, todos esperam que o Biólogo da turma saiba o nome “daquele dinossauro com dois chifres” do filme que acabou de estrear. O assunto também vem despertando grande interesse por parte de crianças que, motivadas pela curiosidade e pela indústria de brinquedos e da moda, têm aprendido desde cedo os grupos de dinossauros, quem são, como viviam, o que comiam, além de sua morfologia adaptativa.
Para muitos, é puro entretenimento: as belezas do CGI e a tentativa de recriação de animais já extintos é fascinante, mesmo que o trabalho real de Biólogos na área seja bem diferente dessas aventuras. No mundo do entretenimento, Biólogos podem ser consultores científicos para embasamento da computação gráfica de animais, recriação de ambientes e, claro, como provavelmente seria o comportamento antigo dos seres na tela. Mas será que os Biólogos atuam na área apenas recentemente ou dessa maneira?
Não tão antiga como os fósseis, a Paleontologia como área de atuação dos Biólogos nasce com a própria graduação dos Biólogos em 1934, com o curso de Ciências Naturais da USP (Universidade de São Paulo). Os cursos que formavam Biólogos mudaram a nomenclatura para curso de História Natural, ou seja, se estudava tanto a biologia quanto a geologia da terra, o que obviamente tornava o aprendizado na área de Paleontologia obrigatória, pois a Paleontologia é área de estudo tanto sob o ponto de vista geológico quanto do biológico, sendo literalmente uma área de atuação e estudo sombreada entre Biólogos e outras classes, como os Geólogos.
Foto: Lúcio Roberto da Silva/Arquivo pessoal
Décadas atrás, porém, o curso de História Natural foi dividido em Ciências Biológicas e Geologia, e por conta disso, alguns laboratórios de Paleontologia ficaram nos Departamentos/Institutos de Geologia e outros nos Departamentos/Institutos de Biologia. Nos locais em que os laboratórios de Paleontologia ficaram mais próximos ao curso de Geologia, significou que a formação do curso de biologia deixou de oferecer conteúdo na área de Paleontologia? Não! A formação nunca deixou de existir, mesmo porque, dentro da área de Meio Ambiente e Biodiversidade, estudos de impacto ambiental, processos de licenciamento ambiental ou mesmo ao nível de pesquisa, os Biólogos continuaram a ter formação na área de Paleontologia e trabalhando nesse nicho de mercado. Com a regulamentação da profissão de Biólogo em 1979, a atuação também se manteve.
A regulamentação da área de Paleontologia no Sistema CFBio/CRBios
A Paleontologia já é descrita como especialidade do Biólogo desde 1993, através da Resolução CFBio nº 17, de 22 de outubro de 1993, que dispõe sobre normas e procedimentos para a concessão do título de Especialista em Áreas das Ciências Biológicas. Após isso, foi descrita como área e suas até então subáreas - Paleontologia: Paleobioespeleologia, Paleobotânica, Paleoecologia, Paleoetologia, Paleozoologia - através da Resolução CFBio nº 10, de 5 de julho de 2003, que dispõe sobre as Atividades, Áreas e Subáreas do Conhecimento do Biólogo. Em 2010, o Conselho Federal de Biologia (CFBio) indicou o “inventário, manejo e conservação do patrimônio fossilífero” como área de atuação dentro do campo de Meio Ambiente e Biodiversidade, através da Resolução CFBio nº 227, de 18 de agosto de 2010, que dispõe sobre a regulamentação das Atividades Profissionais e as Áreas de Atuação do Biólogo, em Meio Ambiente e Biodiversidade, Saúde e, Biotecnologia e Produção, para efeito de fiscalização do exercício profissional, demonstrando mais uma vez que a Paleontologia é área de atuação do Biólogo, sendo sempre lembrada nas resoluções que tratam dos diversos campos de atuação profissional.
Sendo uma área importante de atuação profissional, o CFBio criou o Grupo de Trabalho (GT) sobre a atuação do Biólogo na área de Paleontologia, através da Portaria CFBio nº 359/2022, tendo como coordenador o Biólogo André Gomide de Vasconcelos, secretariado pela Bióloga Gisele Mendes Lessa Del Giudice e ainda como vogal, a Bióloga Taissa Rodrigues Marques da Silva. Em breve, podem sair novas regulações sobre a Paleontologia advindo desses trabalhos. Diante disso, conversamos com o Biólogo Lúcio Roberto da Silva (CRBio 095713/03-D), que tem atuado na área de Paleontologia no Rio Grande do Sul, para discutir um pouco sobre a atuação nesse segmento.
CRBio-03: Qual a diferença de trabalhar com consultoria ambiental nessa área e na pesquisa pura?
Lúcio: É muito diferente! Em consultoria temos que responder questões ligadas à legislação de proteção aos fósseis, participando da obtenção de licenças específicas e respondendo a órgãos de fiscalização, além de participar da administração do trabalho junto às empresas contratantes. A pesquisa pura, acadêmica, exige conhecimentos específicos dos táxons fósseis que estamos estudando, como anatomia, fisiologia e evolução visando as publicações e atendendo os pré-requisitos dos Programas de Pós-Graduação (durante a formação), para obtenção dos diplomas ou, ainda os interesses de Instituições Privadas.
CRBio-03: Já encontrou resistência corporativista na área por ser Biólogo?
Lúcio: Não, nunca. O fato de ter registro no CRBio e a graduação em Biologia, sempre me deu suporte para atender as demandas na área da Paleontologia.
CRBio-03: O que você acha de entidades e outras classes tentarem tirar essa área de atuação do Biólogo?
Lúcio: Acho um absurdo. O Biólogo tem uma formação consistente e que permite atuar em diversas áreas ligadas ao meio ambiente. Na Paleontologia, por exemplo, interpretamos os restos e vestígios de antigos organismos vivos que ficaram preservados nas rochas. Um fóssil foi um dia um organismo vivo, que nasceu, se desenvolveu, se reproduziu, interagiu com outros organismos e com o meio ambiente. Um fóssil não é parte abiótica dos antigos ecossistemas. A Biologia através da Fisiologia, Ecologia, Anatomia Comparada, Zoologia, Botânica, Evolução, Genética e Embriologia (dentre outras) são imprescindíveis para compreender um organismo vivo, mesmo que agora esteja fazendo parte das rochas (fossilizado). Desconheço um curso de graduação que seja mais completo e que permita o desenvolvimento da Paleontologia em todas as fases da pesquisa e da consultoria ambiental. A Biologia permite que não se fique preso apenas na anatomia pura e na cladística. Agora com a aplicação dos conhecimentos biológicos, o fóssil realmente sai das rochas e “volta à vida”.
CRBio-03: Como área de atuação não privativa, qual o diferencial do Biólogo nesta área?
Lúcio: Trabalhando com pesquisa, o Biólogo está se destacando em vários aspectos. A interpretação dos fósseis como seres vivos propriamente ditos, sendo trabalhado à luz da fisiologia, tem apresentado grandes avanços na compreensão da evolução de diversos grupos fósseis, como nos primeiros mamíferos e nos dinossauros basais. Novas análises com o uso de micro tomografia de estruturas como o endocrânio, ouvido médio e a dentição de alguns táxons têm apresentado novas interpretações importantes sobre o metabolismo e não somente com a descrição anatômica básica.
CRBio-03: Quais campos e tipos de empresa acha que podem empregar mais Biólogos na área?
Lúcio: Biólogos especialistas em Paleontologia estão ganhando bastante espaço na consultoria ambiental, além da área acadêmica. Devido a cobrança por parte dos órgãos fiscalizadores, a procura por Biólogos Paleontólogos na construção civil está aumentando consideravelmente. Atuações no monitoramento de escavações têm se mostrado uma ótima opção para nós, Biólogos.
CRBio-03: Falta investimento para esse tipo de pesquisa no Brasil?
Lúcio: Sim, infelizmente! Com exceção das Universidades Federais (falando do Rio Grande do Sul) o investimento é muito escasso, principalmente nos últimos anos. As instituições privadas não possuem a “cultura” de investir em pesquisa, mesmo que isso traga ganhos a médio prazo no turismo científico e na divulgação de suas marcas e uma melhor formação para os seus alunos. As prefeituras das cidades que possuem sítios fossilíferos também não entenderam ainda o potencial dos fósseis. A Paleontologia trabalhada como uma ferramenta pedagógica pode trazer grandes avanços na aprendizagem das crianças e adolescentes das redes municipais e privadas de ensino. No turismo, principalmente, as cidades estão perdendo uma ótima oportunidade para atrair turistas e lucros nos setores gastronômico e hoteleiro e dar às suas administrações uma visibilidade sem precedentes. Os fósseis sempre chamam a atenção e mexem com o imaginário das pessoas e, por isso, possuem um poder midiático muito grande, podendo divulgar suas regiões, prefeituras e empresas como nenhum outro tema.
CRBio-03: Acredita que uma regulamentação específica do CFBio pode trazer mais Biólogos para a área?
Lúcio: Com certeza, uma regulamentação específica irá atrair mais profissionais, como também vai valorizar os Biólogos que se dedicaram a fazer currículo nesta área. Não é raro, empresas e instituições públicas pedirem um currículo que ateste conhecimentos específicos em Paleontologia. Acho isso bastante positivo, pois faz justiça a dedicação dos profissionais para área e garante trabalhos com qualidade e que realmente protejam o patrimônio fossilífero do Estado e do País.
Foto: Lúcio Roberto da Silva/Arquivo pessoal
CRBio-03: Como melhorar a formação do Biólogo na graduação na área de Paleontologia?
Lúcio: A contratação de profissionais especialistas para as Universidades é muito importante. Um Biólogo com especialização em Paleontologia pode oferecer práticas de trabalho de campo que são extremamente importantes para o reconhecimento de um fóssil, coleta e preparação dos materiais visando a pesquisa e a museologia. Com o desenvolvimento de aulas práticas, os cursos de graduação ganharão em qualidade, atraindo novos alunos e formando profissionais melhores para o mercado cada vez mais amplo para a Paleontologia. Atualmente, de acordo com o meu conhecimento, a esmagadora maioria das Instituições que possuem paleontólogos trabalhando com pesquisa, são federais. As Universidades privadas poderiam acrescentar mais profissionais desta área nos seus quadros.
Fonte: CRBio-03