A Prof. Dra. Sabine Righetti, pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, estuda o fenômeno das fake news em Ciência, que se alastraram no Brasil e no mundo nos últimos dois anos com velocidade comparável à do novo coronavírus.
Segundo Righetti, as fake news são produzidas e disseminadas por estruturas profissionais financiadas por grupos frequentemente com interesses econômicos e políticos. Notícias falsas que negam a existência da pandemia, por exemplo, estimulam as pessoas a continuar com a mesma rotina de vida. O objetivo é manter a roda da economia girando e evitar as consequências políticas negativas de uma desaceleração da atividade econômica.
“As fake news seguem uma receitinha de bolo: ‘olha aqui, estão mentindo para você... a verdade é essa aqui.’ Elas provocam ódio e, consequentemente, engajamento. Já o jornalismo é aquela coisa chata, tem uma informação, um gráfico, não gera uma grande emoção. Há estudos que indicam que as fake news circulam 70% mais do que notícias jornalísticas, porque despertam sentimentos nas pessoas. É uma briga difícil e o jornalismo está perdendo”, explica a Dra. Sabine Righetti, que é professora de Jornalismo Científico na Unicamp e escreve análises quinzenais para Folha de S. Paulo sobre políticas de Ciência.
Righetti ressalta que o jornalismo científico no Brasil é relativamente novo – as primeiras editorias de Ciência foram criadas nos anos 90 – e cresceu e amadureceu nas últimas duas décadas, acompanhando a virtuosa expansão da Ciência brasileira no período.
De acordo com a plataforma Scimago, que reúne métricas de mais de 20 mil periódicos científicos indexados na base de dados Scopus, o número de artigos de brasileiros publicados em revistas científicas aumentou de 16.610 em 2001 para o recorde de 100.006 em 2020. O Brasil ocupa a 13ª posição no ranking mundial de produção científica de 2020.
Sabine Righetti atribui a elevação ao aumento dos investimentos em Ciência no Brasil a partir do início do século até o pico em 2013 e 2014. Depois desse período, os investimentos regrediram drasticamente e a Ciência brasileira entrou em crise, ainda que o número total de publicações de artigos continue a subir, como reflexo dos investimentos nos anos anteriores.
Em paralelo, o setor jornalístico no Brasil e no mundo enfrenta uma crise estrutural de décadas, que levou ao fechamento de empresas e veículos tradicionais.
“O jornalismo científico brasileiro hoje enfrenta uma crise na Ciência brasileira, a crise no próprio jornalismo e o fenômeno das fake news”, descreve.
Com o intuito de dar visibilidade para a Ciência nacional no jornalismo brasileiro, Righetti e a biomédica Dra. Ana Paula Morales, que conheceu no Labjor, fundaram em fevereiro de 2019 a Agência Bori. O nome é uma homenagem a Carolina Martuscelli Bori, primeira presidente mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Inspirada no modelo da agência norte-americana EurekAlert!, a Bori funciona como uma vitrine para a imprensa de artigos publicados em periódicos científicos brasileiros. A agência tem uma parceria com a Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO) (em inglês, Scientific Electronic Library Online), um projeto da Fapesp que reúne artigos de revistas científicas do Brasil e de outros países da América Latina, além de Portugal e África do Sul.
Dos cerca de 600 artigos publicados na SciELO semanalmente, a curadoria da Bori escolhe dois ou três para divulgar para a imprensa antes da sua publicação. Com autorização dos periódicos e autores, a equipe da Bori prepara um resumo explicativo do artigo e envia com o texto completo e o contato do autor (para entrevistas) para os cerca de 1.800 jornalistas cadastrados gratuitamente na agência. O objetivo é permitir que os resultados das pesquisas cheguem ao público por meio dos veículos de comunicação de massa.
O jornalismo cumpre um papel crucial na divulgação de informações cientificamente fundamentadas para a população. Mas o combate à máquina de desinformação das fake news requer o envolvimento de outras esferas. Diversos países, inclusive o Brasil, discutem a regulação das redes sociais e aplicativos de mensagens que difundem informações falsas, como o Telegram, Whatsapp, Youtube, Twitter, Facebook e Instagram, entre outros.
“As empresas alegam que são só distribuidoras e os opositores à regulação se valem do discurso da liberdade de expressão. Esse é um grande debate que ainda vai demorar anos”, prevê Righetti.
Fonte: CRBio-01